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sexta-feira, 3 de junho de 2016

Porquê Faluja, e não Mossul ou Raqqa?


Já alguém escreveu que o controlo de Faluja é fácil de perder mas muito difícil de recuperar. É uma leitura acertada da história recente desta cidade estratégica da província de Al Anbar. Desde logo uma outra nota: os invasores de 2003 só muito tarde percebram a importância desta enorme província, de maioria sunita, que tem “só” três fronteiras internacionais: Síria, Jordânia e Arábia Saudita. Demorou bastante até que o General norte-americano David Petraeus (que chegou em 2012 a Director da CIA) desenvolvesse a estratégia de aproximação às tribos sunitas, marginalizadas após a invasão, para tirar o tapete à Al Qaeda no Iraque. Estratégia feita com malas cheias de dinheiro e promessas de integração, não cumpridas, aos sunitas.

A cidade conhece o cheiro da guerra como nenhuma outra no Iraque. Há regiões do mundo relativamente às quais se diz que quem domina a capital de um país domina esse país. Em relação a Faluja não se pode dizer o mesmo, mas estando a cidade a pouco mais de meia-centena de quilómetros de Bagdad e sendo um símbolo da resistência sunita aos invasores e ao poder do Governo (xiita) iraquiano, dominar Faluja é meio-caminho andado e é um sinal de que a resistência está controlada.

O único sinal de concertação dos que combatem a organização Estado Islâmico – mesmo tendo diferentes interesses e perseguindo diferentes objectivos estratégicos – é que houve muita propaganda em relação a alegados ataques iminentes a Mossul e Raqqa. Houve até notícia em Raqqa de lançamento de panfletos convidando a população a abandonar a cidade antes da batalha. Há manobras e combates nos arredores longínquos das duas cidades referidas, mas onde a tentativa de reconquista está mesmo a acontecer é em Faluja. Porquê? Porque para o Governo de Bagdad essa é uma batalha decisiva. De que adianta tentar reconquistar Mossul se não for possível conquistar uma cidade a meia-centena de quilómetros de Bagdad? De que adianta conquistar Mossul se a oposição xiita (de Moqtada al Sadr) que exige reformas contra a corrupção e remodelação governamental não for calada com uma vitória contra os sunitas da organização Estado Islâmico. O Governo de Haider al Abadi (exilado até 2003 no Reino Unido e posteriormente regressado ao Iraque, esteve sempre na esfera do poder, tendo sido ministro, e agora primeiro-ministro) precisa desesperadamente de uma vitória na batalha de Faluja para se poder afirmar internamente. É quase impossível que não a consiga mas falta saber a que preço. Esse preço pode transformar uma vitória numa derrota e se assim for tudo ficará mais complicado quando se tratar de tentar a reconquista de Mossul. Raqqa é outra conversa e é mais complicado.

Em Faluja, que se saiba, não há jornalistas. A propaganda das duas partes faz circular informação contraditória. Há notícias de forte resistência da organização Estado Islâmico (e o recurso a ataques aéreos podem ser um sinal dessa resistência e da incapacidade das tropas iraquianas avançarem) e há notícias de fuga dos combatentes da organização Estado Islâmico; há notícia de avanços das forças governamentais mas também há notícias de elevadas baixas entre as tropas de Bagdad. Atacantes e defensores trocam acusações sobre a utilização de habitantes como escudos humanos. As Nações Unidas referem cerca de 50 mil civis em Faluja mas só quando a batalha terminar irá ser possível avaliar o preço desta batalha de Faluja. É isto o que se sabe e porque se sabe pouco as notícias de Faluja desapareceram dos alinhamentos noticiosos.

Pinhal Novo, 3 de Junho de 2016

josé manuel rosendo

terça-feira, 31 de maio de 2016

Outra vez o inferno em Faluja


A infografia é da Agência France Press e mostra a situação em Faluja a poucas horas do "ataque final".

Não é possível imaginar quão difícil deve ser viver em Faluja, no Iraque. Desde há algumas semanas que as forças do governo iraquiano e as milícias xiitas iniciaram movimentações de preparação para conquistar a cidade, e há algumas horas – desde a chegada das unidades de elite – que as forças governamentais anunciaram o início do ataque à cidade controlada pela organização Estado Islâmico. Não se sabe ao certo quantos habitantes estão na cidade (a ONU diz que são 50.000 civis em condições dramáticas, sem alimentos água potável e medicamentos – e sem possibilidade de receberem ajuda ou protecção) e também não se sabe qual a capacidade militar (em homens e equipamento) dos combatentes do estado Islâmico que controlam a cidade.

Faluja é uma cidade da Província de Al Anbar a cerca de meia centena de quilómetros de Bagdad. O Rio Eufrates passa-lhe à porta. Faluja é passagem obrigatória para quem faz a “estrada da morte” (há sempre uma quando há uma guerra) entre a fronteira da Jordânia e a capital iraquiana. Ramadi fica na mesma estrada. Cidades que fazem parte do chamado “triângulo sunita”, espaço de resistência após a invasão do Iraque em 2003. Foi em Faluja que quatro mercenários da Blackwater foram apanhados, mortos e pendurados numa ponte sobre o Eufrates. Desde 2004 que a cidade não tem sossego, palco de violentos combates entre forças de ocupação e grupos iraquianos. Os soldados norte-americanos não têm nenhuma boa recordação de Faluja.

Desde Janeiro de 2014 que a cidade está controlada pela organização Estado Islâmico. Foi a primeira cidade a cair nas mãos dos radicais. Não se sabe ao certo se as tribos sunitas, por oposição ao governo xiita de al Maliki, terão ficado agradadas com a chegada do Estado Islâmico. Há relatos para todos os gostos: uns dão conta de colaboração; outros dizem que houve líderes tribais que rejeitavam o governo de al Maliki tanto quanto rejeitaram o Estado Islâmico.

As forças iraquianas anunciam que já tomaram alguns locais nos arredores da cidade. As unidades de elite de “contra-terrorismo” avançam para a cidade a partir de 3 localizações com o apoio aéreo da coligação internacional liderada pelos Estados Unidos. Parece certo que a operação das forças iraquianas vai chegar a um ponto em que os combates vão ser rua-a-rua, casa-a-casa. Não há nenhum sinal de que possa haver uma rendição dos radicais. Talvez um recuo e uma eventual fuga se o cerco o permitir.

Para quem vive em Faluja e apenas quer viver, as próximas horas/dias ameaçam ser dramáticas. Faluja sabe o que é o inferno.

Pinhal Novo, 31 de Maio de 2016

josé manuel rosendo