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segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Outubro (vai ser) negro na Síria


Para “início de conversa”: ligo a Al Jazeera e oiço “100 mortos no sábado, 85 este domingo”; há informação confirmada da utilização de bombas de desfragmentação; as Nações Unidas alertam para mais de um milhão de pessoas sem água. Tudo isto em Aleppo. Quem pensa que já é suficientemente mau, prepare-se para que seja pior.

A declaração do embaixador sírio nas Nações Unidas, Bashar Jaafari, avisando que em Outubro não haverá negociações, parece indiciar que está encontrada a prioridade do regime sírio. Depois de mais um cessar-fogo que não deu em nada, a não ser no redobrar das ofensivas do governo de Damasco, as grandes potências limitam-se a trocar acusações e a mostrar-nos o que de pior tem a diplomacia: hipocrisia e total indiferença – não adianta dizerem que estão preocupados, estamos todos… - com o que se passa no terreno, com populações civis e cidades a serem bombardeadas. O regime sírio considera que tem capacidade e apoios para reconquistar territórios, e não precisa de negociar. E está com um olho em Mossul, no Iraque, porque da realidade iraquiana é importante, com o Estado Islâmico a ser o elemento que pode influenciar toda a evolução. O aliado Irão, também aliado do governo iraquiano, sabe bem o que está a ser preparado no Iraque, para reconquistar Mossul ao Estado Islâmico. A mensagem certamente já chegou a Damasco: esperem, para ver o que dá o ataque a Mossul.

Neste momento, o silêncio da comunidade internacional em relação à Síria é bárbaro. De nada adianta falar e nada fazer. Estamos cheios de declarações mais ou menos inflamadas contra a guerra na Síria. É vergonhoso. Eu sinto vergonha, uma vergonha alheia que nem por isso deixa de ser terrivelmente desconfortável.

A leitura que é possível fazer, com os dados que são conhecidos, é a de que apesar de Bashar al Assad manter o discurso de querer recuperar o controlo total do país, isso não vai acontecer, nem o presidente sírio quer. De nada lhe serve ter território que apenas dá problemas e reivindica recursos. Assad quer ficar com as províncias alauitas junto ao Mediterrâneo e, de preferência, associar-lhes, a oeste, o corredor norte-sul onde estão as principais cidades do país: Aleppo (antigo coração da economia síria), Idlib, Homs, Damasco e Daraa. Afinal, apenas ficam de fora as cidades curdas (inevitáveis locais de conflito se a Síria permanecesse unida sob o controlo de Assad) e as cidades de Raqqa, Palmira e Deir Ezzor. O resto é deserto, com excepção do vale do Eufrates. O petróleo nas zonas mais encostadas ao Iraque não tem grande expressão. É isto que Bashar al Assad quer, uma vez que não pode ter tudo. O pragmatismo de quem quer continuar a ser presidente obriga a deixar de lado o orgulho ferido de quem perde território.

Neste momento, a França já enviou o porta-aviões Charles de Gaulle para o Mediterrâneo; a Rússia também enviou o porta-aviões Amiral Kouznetsov para fazer companhia a 10 navios de guerra e submarinos. O Mediterrâneo está transformado numa base militar com rampas de lançamento que podem atingir qualquer local do Médio Oriente e todas as principais potências envolvidas na Síria e no Iraque têm militares no terreno.

Os Estados Unidos já disseram que a ofensiva para reconquistar Mossul pode começar em Outubro; o governo britânico disse que a ofensiva começa nas próximas semanas; o governo iraquiano tem dito o mesmo e as tropas de Bagdad juntamente com as milícias xiitas iranianas, e também iraquianas, e algumas tribos sunitas, estão a avançar no terreno. O Primeiro-ministro iraquiano, Al Abadi, tem-se desdobrado em contactos internacionais (incluindo a Turquia e os líderes curdos iraquianos) para preparar o terreno. Um ataque a Mossul levanta imensas preocupações humanitárias e não se sabe a resistência que o Estado Islâmico poderá opor. O custo em vidas humanas poderá ser terrível, inclusivamente entre os civis.

Dependendo de como a ofensiva venha a ser planeada, pode ser deixado um corredor de fuga para os combatentes do Estado Islâmico, e esse corredor pode conduzir a Raqqa, na Síria. Mas também pode acontecer que assim não seja e que Mossul seja cercada. E até pode acontecer que sejam planeadas ofensivas simultâneas a Mossul e a Raqqa. É impossível saber o que vai na cabeça dos estrategas militares e quais são os objectivos políticos imediatos ou a longo prazo.

Nesta complexa realidade, o Irão pode assumir um papel de relevo: os iranianos estão de bem com os Estados Unidos em relação ao Iraque, cujo governo tem telefone directo com Teerão, e estão de bem com a Rússia no apoio a Bashar al Assad. Podem acabar por ser o pivot que coordene acções atendendo ao mau momento Estados Unidos-Rússia. Seria a grande vitória de Teerão.

Mas, quanto à Síria, o cenário que neste momento parece mais agradável para Bashar al Assad e respectivos aliados é o de conquistar as grandes cidades a norte de Damasco, esquecer o deserto e os curdos do norte, e deixar à comunidade internacional e à oposição moderada a tarefa de combater o Estado Islâmico eventualmente acantonado em Raqqa (capital do califado) quando for expulso de Mossul. Falta saber o que poderá fazer o Exército Livre da Síria e a enorme miríade de grupos armados para contrariar esta estratégia de Assad e dos aliados russos.

Uma última nota: a Rússia poderá estar para uma “nova Síria”, como os Estados Unidos estão para Israel, o que não desagrada nada a Vladimir Putin.

É complicado? É! Mas é impossível tornar fácil uma realidade que envolve tantos interesses e protagonistas. Certo é que as nuvens negras (mais negras do que as que pairam sobre a região) estão a caminho e tudo indica que vai ser muito feio.

Pinhal Novo, 25 de Setembro de 2016

josé manuel rosendo

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Mais sinais sobre a Síria. Cartas estão a ser postas em cima da mesa


Procuro nas agências de notícias, nos jornais, não há quase nada sobre o encontro entre o Secretário de Estado norte-americano John Kerry e o Ministro dos Negócios Estrangeiros russo Serguei Lavrov. Apenas gestão de expectativas com a inevitável especulação à mistura. Estes dois homens têm encontro marcado em Genebra nesta sexta-feira e na véspera falaram ao telefone. O que cada um deles leva na mala (e na manga) não se sabe.

O que se ficou a saber esta quinta-feira através do Secretário da Defesa dos Estados Unidos, Ash Carter, é que as milícias curdas da Síria (Unidades de Protecção Popular) saíram da cidade de Manbij (que conquistaram ao Estado Islâmico) e atravessaram o Rio Eufrates passando para a margem oriental. Era o que a Turquia exigia e os Estados Unidos apoiaram. Ash Carter revelou esta alteração no terreno depois de um encontro com o Ministro da Defesa da Turquia, Fikri Isik.

Outro sinal a merecer muita atenção: o porta-aviões francês Charles de Gaulle vai estar no Mediterrâneo oriental. Põe-se a caminho até final de Setembro. A França envia também baterias de artilharia. Vai estar tudo operacional no início do Outono. Obejctivo? Vão apoiar as forças iraquianas na reconquista de Mossoul. As palavras são do porta-voz das Forças Armadas francesas. Esta revelação das movimentações militares francesas acontece no dia do encontro do Presidente francês, François Hollande, com o Presidente do Governo regional do Curdistão (iraquiano), Massoud Barzani. O mesmo Barzani que a 23 de Agosto esteve reunido com o presidente turco, encontro onde terá sido feito um acordo contra outros curdos (PKK e curdos sírios).

Voltando a Kerry e Lavrov, parece pacífico que a política russa em relação à Síria – concordemos ou não – tem sido muito mais explícita do que a dos Estados Unidos, sobretudo se atendermos à forma como os norte-americanos têm lidado com a questão curda. Não seria a primeira vez que os Estados Unidos voltariam as costas aos curdos. Mas também é bom lembrar que a 10 de Fevereiro os curdos da Síria abriram a primeira representação no estrangeiro e foi em… Moscovo. 

Já alguém escreveu que até parece que os curdos nasceram para serem traídos. Não vai demorar para sabermos como vai ser desta vez. O final do ano tem sido a referência de vários líderes para retirar Mossul do controlo do Estado Islâmico e a Turquia já disse que lhe agrada uma operação conjunta com os Estados Unidos para conquistar Raqqa, a maior cidade síria dominada pelo estado Islâmico.
Vamos ver o que sai de Genebra esta sexta-feira.

Pinhal Novo, 9 de Setembro de 2016

josé manuel rosendo

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Porquê Faluja, e não Mossul ou Raqqa?


Já alguém escreveu que o controlo de Faluja é fácil de perder mas muito difícil de recuperar. É uma leitura acertada da história recente desta cidade estratégica da província de Al Anbar. Desde logo uma outra nota: os invasores de 2003 só muito tarde percebram a importância desta enorme província, de maioria sunita, que tem “só” três fronteiras internacionais: Síria, Jordânia e Arábia Saudita. Demorou bastante até que o General norte-americano David Petraeus (que chegou em 2012 a Director da CIA) desenvolvesse a estratégia de aproximação às tribos sunitas, marginalizadas após a invasão, para tirar o tapete à Al Qaeda no Iraque. Estratégia feita com malas cheias de dinheiro e promessas de integração, não cumpridas, aos sunitas.

A cidade conhece o cheiro da guerra como nenhuma outra no Iraque. Há regiões do mundo relativamente às quais se diz que quem domina a capital de um país domina esse país. Em relação a Faluja não se pode dizer o mesmo, mas estando a cidade a pouco mais de meia-centena de quilómetros de Bagdad e sendo um símbolo da resistência sunita aos invasores e ao poder do Governo (xiita) iraquiano, dominar Faluja é meio-caminho andado e é um sinal de que a resistência está controlada.

O único sinal de concertação dos que combatem a organização Estado Islâmico – mesmo tendo diferentes interesses e perseguindo diferentes objectivos estratégicos – é que houve muita propaganda em relação a alegados ataques iminentes a Mossul e Raqqa. Houve até notícia em Raqqa de lançamento de panfletos convidando a população a abandonar a cidade antes da batalha. Há manobras e combates nos arredores longínquos das duas cidades referidas, mas onde a tentativa de reconquista está mesmo a acontecer é em Faluja. Porquê? Porque para o Governo de Bagdad essa é uma batalha decisiva. De que adianta tentar reconquistar Mossul se não for possível conquistar uma cidade a meia-centena de quilómetros de Bagdad? De que adianta conquistar Mossul se a oposição xiita (de Moqtada al Sadr) que exige reformas contra a corrupção e remodelação governamental não for calada com uma vitória contra os sunitas da organização Estado Islâmico. O Governo de Haider al Abadi (exilado até 2003 no Reino Unido e posteriormente regressado ao Iraque, esteve sempre na esfera do poder, tendo sido ministro, e agora primeiro-ministro) precisa desesperadamente de uma vitória na batalha de Faluja para se poder afirmar internamente. É quase impossível que não a consiga mas falta saber a que preço. Esse preço pode transformar uma vitória numa derrota e se assim for tudo ficará mais complicado quando se tratar de tentar a reconquista de Mossul. Raqqa é outra conversa e é mais complicado.

Em Faluja, que se saiba, não há jornalistas. A propaganda das duas partes faz circular informação contraditória. Há notícias de forte resistência da organização Estado Islâmico (e o recurso a ataques aéreos podem ser um sinal dessa resistência e da incapacidade das tropas iraquianas avançarem) e há notícias de fuga dos combatentes da organização Estado Islâmico; há notícia de avanços das forças governamentais mas também há notícias de elevadas baixas entre as tropas de Bagdad. Atacantes e defensores trocam acusações sobre a utilização de habitantes como escudos humanos. As Nações Unidas referem cerca de 50 mil civis em Faluja mas só quando a batalha terminar irá ser possível avaliar o preço desta batalha de Faluja. É isto o que se sabe e porque se sabe pouco as notícias de Faluja desapareceram dos alinhamentos noticiosos.

Pinhal Novo, 3 de Junho de 2016

josé manuel rosendo