Esta foto foi tirada há um ano, em Bashika, onde a Turquia tem uma base militar para formação de forças curdas e sunitas. Daqui partem os Peshmerga curdos que estão a combater o Estado Islâmico. Mossul fica a uma dezena de quilómetros.
Sem nenhuma dúvida, as noites em Mossul são mal dormidas. Por
esta hora, acredito, ninguém quererá fazer a (adaptada) pergunta: Mossul já
está a arder? A pergunta, a original, terá sido feita por Adolf Hitler já em
fase de desespero, quando os aliados entraram em Paris e os nazis perdiam
batalhas sucessivas. Paris não chegou a arder. Não consta que o Estado Islâmico
prefira ver Mossul arder devido à iminência de uma derrota militar face ao
ataque iniciado esta segunda-feira, mas desta vez, e ao contrário de Paris,
quem parece disposto a incendiar Mossul são os que atacam a cidade.
Em Dezembro do ano passado, regressado da região, fiz a
pergunta (E depois do Estado Islâmico?) http://meumundominhaaldeia.blogspot.pt/2015/12/e-depois-do-estado-islamico.html
e disseram-me que estava com pressa. Não estava. A questão era (é) mesmo essa,
porque eu bem ouvi o que os curdos iraquianos diziam. Quem considerava que eu
estava com pressa dizia-me então que primeiro era preciso derrotar o Estado
Islâmico e depois logo se via. Errado. Mossul não é Faluja, nem Ramadi. Conquistar
Mossul ao Estado Islâmico e manter a cidade sem criar um novo foco de guerra
exige um plano para o pós Estado Islâmico. Um plano que seja do agrado de todos
os que estão envolvidos neste ataque a Mossul. O problema é que são muitos os
interesses e um plano assim parece impossível. Quem ataca a cidade converge na
necessidade de tirar Mossul das mãos do Estado islâmico, mas diverge em tudo o
resto. E basta estar atento às mais recentes declarações para se perceber que não
há plano nenhum.
Depois de uma primeira ofensiva falhada no início da
Primavera, desta vez parece que é para levar até ao fim. Forças do governo de
Bagdad, milícias xiitas (Unidades de Mobilização Popular), milícias de tribos
sunitas, milícias iranianas, milícias do Hezbollah, Peshmerga curdos, forças
fiéis ao antigo governador de Mossul, norte-americanos e turcos no terreno, e
ataques aéreos da coligação internacional. Não muito longe andam os
guerrilheiros do PKK e das Unidades de Protecção Popular (sírias), bem como
milícias Yazidis. A lista, certamente, não é completa, mas suficiente para se
perceber como vai ser difícil decidir quem fica a controlar Mossul.
Não se sabe ao certo quantos habitantes tem a cidade (a ONU
refere 1,5 milhões) nem quantos são os combatentes do Estado Islâmico. Mas a
coisa pode correr muito mal. Um coordenador da ONU para os Direitos Humanos já
alertou: “não acusem os civis de Mossul de pertencerem ao Estado Islâmico, e
que não haja execuções sumárias, nem de civis nem de membros do Estado Islâmico”.
O tom do aviso deixa claro o que pode acontecer. Ainda a ONU alerta para uma
nova vaga de refugiados e faz saber do perigo de os habitantes ficarem
encurralados no fogo cruzado, podendo ser vítimas de franco-atiradores ou serem
utilizados como escudos-humanos. A ONG Save the Children alerta para mais de
meio milhão de crianças em risco.
Alguns analistas consideram que nesta batalha joga-se o
futuro do Iraque enquanto país com as actuais fronteiras. O governo do Iraque
joga também o tudo ou nada, devido às sucessivas crises políticas mas, mesmo
derrotando o Estado Islâmico, pode vir a revelar-se incapaz de gerir a situação
futura, que pode degenerar numa efectiva desintegração do país.
Antes do ataque, aviões iraquianos lançaram panfletos na cidade
aconselhando a população a ficar em casa e prometendo não atacar alvos civis,
mas é impossível prever a evolução da batalha e a reacção da população.
As próximas horas vão fornecer indicadores mas as mais
recentes declarações são um sinal claro do caldeirão em que Mossul pode ser
transformada. Moqtada al Sadr, poderoso clérigo xiita que liderou o exército de
Mahdi no combate à ocupação norte-americana, disse que a batalha de Mossul é
uma guerra entre o governo de Bagdad e os terroristas e que o Iraque deve
recusar o apoio turco em nome da soberania iraquiana; o Presidente turco,
Erdogan, disse que “está fora de questão a Turquia ficar fora da ‘operação
Mossul’” acrescentando que a Turquia estará na operação militar e também na
(futura) mesa de negociações; o parlamento iraquiano já votou uma moção em que
considera a presença turca como “ocupação” e violação de soberania”. Sendo a
maioria da população de Mossul de origem sunita, não se sabe como vai reagir à
entrada de milícias e tropas xiitas. O antigo governador de Mossul – aliás,
acusado de ser o responsável pela queda de Mossul às mãos do estado Islâmico em
2014 – lidera uma milícia fiel, que é apoiada pela Turquia e propõe-se ser
mediador entre as forças xiitas e os habitantes da cidade. Também a ter em
conta que é a primeira vez que Peshmerga curdos e forças de Bagdad combatem
lado-a-lado numa operação militar. Os curdos dizem que não têm interesses em
Mossul mas vão ocupando algumas zonas que foram conquistando ao Estado
islâmico. Em termos de declarações mais recentes, a cereja no topo do bolo veio
de Moscovo, com a Rússia – acusada de crimes de guerra na Síria - a dizer que espera
que a coligação internacional no Iraque tenha uma acção com precisão que evite
vítimas civis.
Várias fontes referem 30 mil homens no ataque a Mossul, que
estará defendida por cerca de 4 a 8 mil combatentes do Estado Islâmico. Não se
sabe onde está o “califa” Abu Bakr al Bagdadi; não se sabe como será possível
distinguir entre combatentes e civis (numa cidade com mais de um milhão de
habitantes). É impossível prever o tempo que esta operação vai demorar mas alguns
analistas apontam para um final de batalha em zona urbana, rua a rua, casa a
casa. Mossul ainda não está a arder, mas são muitas as colunas de fumo negro e a
dimensão do que está em jogo é de tal ordem que se alguém temer o pior não pode
ser acusado de pessimismo.
Pinhal Novo, 18 de Outubro de 2016
josé manuel rosendo
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